Já escrevi diversos posts sobre a solidão da vida no estrangeiro. Da “perda” dos amigos antigos e da conquista de novos. Existe algo muito negativo em estar muito distante daquelas pessoas que mais amamos e os quais mais nos identificamos. Fazer novos amigos, o que é necessário no caso de uma mudança de pais também é bom, é um novo recomeço e uma nova história começada numa página quase que em branco.
Quando sofri minha gravidez ectópica posso dizer que tive os piores dias da minha vida. Logo que descobri que estava grávida não quis sonhar tanto com a gravidez, sabia que diante de todo o drama da minha vida dificilmente seria abençoada com uma gravidez tranquila e feliz logo de primeira. Sempre dizia para meus pais ‘não comemorarem’. E de fato tive uma gravidez ectópica, que é a gravidez fora do útero, que poderia ter me levado inclusive a morte, porque essa gravidez coloca a mãe em risco, além de obviamente matar o bebê.
Ao sofrer um “aborto” da gravidez ectópico, que culmina no uso de uma injeção de metotrexato, que tem vários efeitos colaterais como; sangramento intenso, cólicas fortes, dor na trompa machucada, enxaqueca, desarranjo intestinal, gazes horríveis e obviamente dor na alma por perder um bebê amado e esperado. O sentimento de culpa de “matar” o seu bebê é muito doloroso (e isso multiplica quando a gente é vegetariana por compaixão e manutenção das entidades vivas como é o meu caso).
Assim como não havia contado da minha gravidez para quase ninguém, decidi não expor o final também para evitar mais perguntas sobre o que me faria tristemente reviver a história e daria margem para muita especulação. As pessoas em geral são mais curiosas para saber o que está acontecendo como pelo fato de realmente querer ajudar. E por morar em outro país, ninguém poderia “me ajudar” de fato, por isso mantive esse pesadelo em segredo até agora e só contei para os mais próximos mesmo, caso eu morresse eles já estavam avisados. Sim, minha médica me fez pronunciar um mantra “eu posso morrer” e isso me deixou em pânico!
Acontece que tinha uma amiga bem próxima aqui em Nova York naquele momento. Proximidade física, mas era uma amiga nova. Estudávamos juntas, saíamos muitas vezes juntas e na hora que estava internada no hospital ela me mandou mensagem me chamando para sair no dia seguinte. Sabia que não poderia sair com ela durante muito tempo e inventar desculpas iria ser pior que contar a verdade. Ela ia achar que estava louca e de uma hora para a outra tinha começado a evitá-la. Então para ela preferi contar a verdade, e foi aí meu maior erro e minha maior decepção durante a trajetória da gravidez ectópica.
Disse que estava internada e contei a situação. Ao invés de ler mensagens de apoio ela começou a fazer terror. Disse que estava procurando no Google sobre o caso e ficou questionando o tratamento escolhido pela equipe médica. Eu estava internada e não precisava ler mais nada que me colocasse mais medo, apesar do que eu também estava procurando tudo sobre o tratamento. E sim, ela estava indo sempre pelo pior lado da história sem ao menos saber nada como o tempo da minha gravidez, aonde estava meu bebê ou os níveis do meu beta-hcg. No mesmo momento me arrependi de ter contado do meu drama. Ela também sabia que estava fazendo tratamentos para infertilidade e então estava ciente como era importante aquela gravidez. Foi insensível, deixando a minha mente realmente agitada, então parei de respondê-la naquele dia.
Alguns dias depois ela me procurou para saber se estava tudo bem. E estava. Depois de tomar a injeção de metotrexato sai do hospital bem, aliás a injeção só é indicada para quem está bem e com o HCG baixo – abaixo de 5000! Tomei a injeção numa quarta-feira, só fui ter efeitos colaterais na segunda-feira seguinte, quando começou o sangramento e as dores. Nesse ínterim me sentia como grávida, com cólicas leves e enjoos. Fazer o tratamento com metotrexato não acaba instantaneamente com o problema – lamentavelmente. Pelo contrário, faz o tratamento ser penoso e longo.
Quando minha amiga me mandou uma mensagem novamente estava no cume da dor e do sangramento. Estava sentada no vaso sanitário me contorcendo de dor na escola de inglês que frequentava na época. A mensagem não perguntava se estava bem e sim me convidada para sair, para ir ao cinema. Fiquei na verdade bem irritada com aquilo. E expliquei que não estava sendo fácil, que estava com dores e sangramentos. Não é que a resposta foi “mas você estava bem! ”
Eu estava sim! Mas porque o “aborto” não tinha começado logo após a injeção. Ela me escrevia todos os dias antes e desde que comecei o aborto da gravidez ectópica as mensagens ficaram mais espaçadas. Meu marido que não sabia que havia contado para ela sobre a gravidez ectópica perguntava inclusive o porquê do sumiço repentino dela e para protegê-la dizia que ela não estava sumida e que me escrevia durante o período que ele não estava em casa. O que não era verdade.
Mais adiante no processo de “aborto” da ectópica a médica deixou de chamar o bebê de embrião (ou feto) para chamar de cisto. E obviamente comecei a chamar o bebê de cisto. Não é que a menina começou a contestar se estava realmente grávida? O porquê da médica chamar o bebê de cisto? Na hora veio uma tristeza e desprezo! Será que essa criatura achava que estava mentindo? Ou pior maluca?
Mas para os leigos a definição de cisto pode ser complexa! O que é um cisto? Vamos a definição!
Cisto é o crescimento anormal, geralmente não canceroso, cheio de substância líquida ou semissólida, às vezes causando dor.
Se tinha tomado remédio para reverter minha gravidez e não deixar o embrião desenvolver o que aquela massa dentro de mim virou?
Vou deixar um link explicativo sobre o que é embrião aqui.
Quando você toma uma medicação para evitar o crescimento do seu embrião e começa a ser absorvido pelo seu organismo antes mesmo de ter batimentos cardíacos o que ele vira? Um cisto! E para vocês não acharem que estou mentindo aqui vai parte da conversa:
Mensagem que ela me mandou do nada.
Então mandei os registros de algumas consultas médicas.
Mesmo assim ainda continuou! Eu fiquei extremamente aborrecida. Nunca apareceu para um consolo, só para contestar o meu sofrimento.
Ela nunca veio me visitar e não me ofereceu ajuda mesmo estando de férias! Ela não estava viajando, ela não estava trabalhando e inclusive estava me chamando para ir ao cinema no dia que estava sangrando muito e não teve o mínimo interesse em demonstrar empatia.
E para mostrar que nem sempre uma mão lava a outra vou contar o que aconteceu antes. Alguns meses antes da minha gravidez ectópica ela sofreu um pequeno acidente caseiro e me ligou pedindo ajuda. Corri para buscá-la em casa e levei a emergência de um hospital da preferência dela. Passei cerca de 8h naquele hospital sem ter o que comer e beber, apenas preocupada em ajudá-la. Meu marido estava conosco e foi ele que inclusive a carregou no colo porque tinha quebrado o tornozelo e não conseguia andar. Aqui em Nova York a assistência médica particular é muito pior que a pública no Brasil. Inclusive foi meu marido a convidou para ficar em casa. Fiquei cuidando dela alguns dias. E acredito que quando ia de manhã na escola de inglês e a deixava sozinha, escrevia para ela preocupada mais vezes por dia do que ela escreveu para mim todos esses meses durante meu tratamento. Não ia na academia, não limpava a casa, não fazia nada que estava acostumada a fazer só para cuidar dela, fazer companhia, ela era bem trabalhosa, acho que queria ser amada mimada e como ela estava sozinha aqui e fazia com muito gosto, queria dar conforto a ela, eu estava bem sensibilizada com a situação.
Ela ficou acho que dois meses sem poder andar, e revezava as vezes ficava aqui em casa e outras vezes numa amiga que morava há uns 100km de mim, chegamos inclusive dirigir até a casa dessa amiga para deixa-la na ocasião que fomos para Miami de férias.
Fui com ela em todas as suas consultas, perdi horas, fiquei cansada, ficava estressada porque aqui não é fácil parar o carro, levei duas multas que não repassei para ela e ela nunca me perguntou de quanto foi e eu não queria dinheiro, eu só queria ajudar porque sabia que a vida dela era difícil aqui, estava sem trabalhar e gastando muito dinheiro.
Por diversas vezes briguei com meu marido porque queria dar atenção a ela e ele dizia que eu fazia muito que seria bom para ela ser mais independente e eu concordava, mas ela só ficava deitada, indo inclusive contra a indicação do médico que dizia inclusive para ela apoiar o pé no chão. Ela estava insegura para andar ou ficar sozinha, até água tinha que servir. Quando engessei meu tornozelo fiz muitas coisas, fui na rua das noivas nos centros de São Paulo com minha mãe, no show do Paul Mccartney… enfim tinha limitação, mas a vida continua, não é mesmo? Mas ela preferia ficar prostrada e isso foi ruim para ela e para mim que cuidava dela. O médico disse que ela não ia precisar de fisioterapia a principio, mas ela ficou tão inerte que afinou a perna e no final a recuperação demorou mais do que o previsto. Fiquei com do por isso ajudei até o fim.
Mas aos poucos e com essa proximidade maior após o seu acidente tive a oportunidade de conhecê-la melhor. Por exemplo, nas aulas de inglês ela era minha dupla fixa e o professor de inglês dizia que cada hora uma pessoa da dupla deveria começar o exercíci. Como estava na escola só para manter meu status enquanto aguardava o meu green card não me importava dela sempre começar a fazer os exercícios apesar das instruções do professor. Ela sem nunca ter me perguntado se estava de acordo sempre começava falando. Aos poucos aquilo começou a me incomodar, já era uma red flag na casa do egoísmo, mas eu não percebi.
Dai chegou o verão. No verão eu amo ir para a praia. Todas as vezes que ela me chamava para sair acabávamos indo para os lugares que ela queria ir, nunca podíamos ir para a praia como eu gostaria. Eu realmente não acho bacana impor a pessoa ir a algum lugar que não estava afim, por isso deixava para lá a minha vontade. O que nunca percebi foi que eu cedia para as vontades dela, o que não queria fazer para ela por empatia ela fazia comigo porque eu deixava. Criei uma amizade unilateral aonde somente eu investia.
Aos poucos percebi que todos os conflitos que ela tinha com todas as suas roommates tinham dois lados a história. Comecei achar que ela era uma pessoa difícil de relacionar. Quando ela retornou para casa dela apos a temperada aqui em casa ela estava só pensando em “bater boca” com a roommate que foi super amável e prestativa na sua chegada. Na época eu até disse “e sua oportunidade de ficar de boas com essa mulher, a pior coisa é morar com alguém que a gente odeia”. O que ela fez? Não aceitou as boas intenções da mulher e hoje vive se vitimizando dizendo que a mulher sempre vai a cozinha e ao banheiro exatamente no momento que ela quer usar!
Tentei fazer de tudo para minimizar a solidão dela, que não tem familiares e marido aqui, mas quando percebi “a sozinha” era eu! Eu que não tinha ela como amiga. Comportamentos mesquinhos pequenos precisam ser analisados, podem esconder uma pessoa extremamente malvada e egotista!
Escolha quem gosta de você!