Há algum tempo meu marido, na época namorado, recebeu um amigo do Irã que vivia no Canadá em seu apartamento. E se você acha que amigo não convida, está enganado! Esse cara chegou com mais um casal para ficar alguns dias na casa do meu namorado. Diria que é um comportamento bem comum e aceitável no Irã, não só ficar na casa dos outros, como ir com mais pessoas. E o “convidado” não pode fazer nada, nem lavar um prato ou comprar uma pizza. Tudo por conta do anfitrião.
Quando foi o final de semana meu marido me levou para conhecê-los, na época não morávamos juntos mas meu namorado “pousou” na minha casa durante esse período para dar mais espaço para os “convidados”.
Ao conhecer os três iranianos já achei estranho a mulher estava de hijab! Hijab é a vestimenta modesta que as muçulmanas usam que precisa cobrir as pernas, braço, decote, pescoço e cabelos. Normalmente as iranianas são mais liberais e não usam o lenço na cabeça quando não moram no Irã, algumas usam até shorts, mas essa parecia mais conservadora. Cheguei com um dos meus vestidos mais recatados, sempre que vou encontrar os amigos do meu marido tendo me conter nas roupas, apesar da maioria deles me seguirem no Instagram e verem minhas fotos de biquínis. Mas prefiro manter a modéstia “a la Brasiliana” que significa comprimentos perto dos joelhos, barriga coberta e sem decote, tá ótimo não é mesmo?
Logo que cheguei no apartamento percebi a mulher meio desconfortável com minha presença e tinha certeza que ela pelo meu jeito amistoso demais, cumprimentar com beijinho, mandar o marido (aka namorado) cozinhar para mim… Percebi que seu lenço na cabeça foi caindo no pescoço e depois ficou o tempo todo nos ombros até mesmo fora de casa, acho que ela queria parecer normal.
Sabia que íamos passear em Manhattan. Na época moravamos já em Queens, Eu em Elmhurst e meu marido em Astoria, os bairros são 15 minutos distante de carro! Perguntei então o que ela gostaria de fazer naquele dia e ela respondeu de cara “comprar roupas de bebê” e me perguntou aonde seria o melhor lugar.
Na época não conhecia muito de Nova York, tampouco de moda para bebê então indiquei a Macy’s. Eu vivia na Macy’s por conta da faculdade! Hoje em dia indicaria a Burlington, TJ Maxx ou Marshall’s porque são bem mais baratas, mas naquela ocasião só tinha visto roupas de nenem na Macy’s.
Obviamente minha próxima pergunta foi “você está grávida”? Ela não parecia, mas poderia ser de pouco tempo. Ela respondeu que não. Então indelicada perguntei quando pretendia engravidar e ela disse que não sabia!
Levei-a até a Macy’s e combinei de encontrá-la mais tarde. Geralmente não tenho muito paciência para compras dos outros e na verdade, queria deixá-la a vontade.
Quando me despedi comecei a fofocar com meu marido como era estranho aquela situação. Se ela não tava grávida porque compraria roupas de neném? Como ia prever o sexo? Lembro que a achei meio maluca e até debochei da atitude.
Horas mas tarde liguei para saber aonde estavam, e ela estava justamente na Macy’s na parte de bebê. Fomos ao encontro deles. Chegando lá ela olhava mais roupas de menina. Quando me aproximei ela resmungou que estava tudo muito caro. No final, ela olhou e olhou e não comprou nada! Enquanto isso o marido pacientemente a acompanhava a certa distância.
Quando ela foi embora continuei comentando e julgando aquela atitude “estranherríma”. Como uma pessoa que não tem filho e não tem previsão de engravidar pode começar a fazer um enxoval?
Até que anos mais tarde esse probleminha bateu em minha porta. Após um ano tentando engravidar e após finalmente engravidar, mas ter uma gravidez nas trompas e ser obrigada a abortar percebi que começar o enxoval sem estar grávida é totalmente possível. Na ocasião, não sabia se ela havia perdido um bebê, assim como eu perdi, se sim, ela podia estar traumatizada. Depois descobri que ela havia perdido um bebe pouco antes daquela visita e naquela ocasião ela já estava no início de gravidez, mas por conta da perda anterior estava insegura em falar. Por isso é impossível você julgar a dor de uma pessoa a não ser que você seja a própria pessoa. Eu enquanto estava grávida também comprei roupa para meu bebê, comprei roupas pensando nos dois sexos já na sexta semana de gestação! Quando perdi o bebê continuei olhando roupinhas por muito tempo, diria até hoje, acredito que era sonhando em ver meu neném que não pode nascer naquelas coisinhas mais lindas. E se alguém me perguntasse naquele momento se estava grávida a resposta seria negativa! E se perguntassem quando eu planejava engravidar a resposta também seria um belo “não sei”. É impressionante como a vida é um círculo e tudo que a gente crítica depois volta para a gente como um ensinamento. Como pude julgar aquela mulher sem saber de sua história?
Obrigada moça do enxoval por me mostrar que comprar roupas sem ter bebê é um comportamento completamente normal! Aquela gravidez vingou, e hoje ela já é mãe.